sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Vinte anos não bastaram para curar o planeta

Em 1987, um relatório de uma comissão da ONU pôs no papel a ideia do desenvolvimento sustentável e declarou que era preciso agir rápido. Agora, um novo relatório das Nações Unidas diz que nesses vinte anos houve avanços, mas no essencial mantêm-se os problemas ambientais mais importantes
O que é que mais um mega-relatório ambiental pode acrescentar de novo ao que já se sabe sobre as feridas do planeta? O quarto Global Environment Outlook (GEO-4), um maciço documento de quase 600 páginas, ontem divulgado pelas Nações Unidas, traz, no mínimo, um raciocínio que merecia ser feito. Em 1987, o relatório O Nosso Futuro Comum, da Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento - conhecido como Relatório Brundtland -, alertou para graves problemas e apelou à acção. Agora, vinte anos depois, a mensagem não é muito diferente: o GEO-4 diz que os principais problemas se mantêm e agora é preciso agir ainda mais rápido. "Não há nenhum dos temas levantados em O Nosso Futuro Comum para o qual as tendências futuras sejam favoráveis", sentencia o relatório, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP, na sigla em inglês).O que correu bem e o que correu mal nessas duas décadas, é isso o que procuraram responder 390 especialistas, apoiados por mais de mil revisores científicos.Do lado positivo, por exemplo, avançou a cooperação internacional - preconizada no Relatório Brundtland, em 1987. Vários tratados internacionais foram assinados e pelo menos um deles está a funcionar muito bem - o Protocolo de Montreal, que praticamente baniu os gases que destroem a camada de ozono.Multiplicaram-se as áreas protegidas, para preservar a biodiversidade, controlaram-se alguns problemas de poluição, aumentou o nível de acesso a água tratada e saneamento.Ameaças persistentesMas, no essencial, as ameaças que mais seriamente assombravam a Terra há vinte anos continuam válidas ainda hoje, dos cenários dantescos das alterações climáticas, ao funesto desaparecimento de espécies selvagens, passando por riscos persistentes à saúde humana, como o da poluição da água e do ar (ver caixas).O mundo mudou substancialmente nesse período. A população mundial saltou de cinco mil milhões de habitantes para 6,7 mil milhões. A economia cresceu, embora de modo desigual. O PIB per capita global era de 8162 dólares (5830 euros) em 2004, contra apenas 5927 dólares (4234 euros) em 1987.Mas, mesmo com o benefício dos avanços tecnológicos, a pressão sobre o planeta também cresceu. Segundo o GEO-4, a "pegada humana" está acima das capacidades naturais da Terra. Cada pessoa precisa de 21,9 hectares do planeta para sustentar o seu actual nível de vida, bastante acima do limite de regeneração biológica, que é de 15,7 hectares. Ou seja, "a quantidade de recursos necessários para sustentar [a população] excede os que estão disponíveis", diz o relatório.É exactamente isto o que não queria o Relatório Brundtland, que lançara o conceito do "desenvolvimento sustentado", no qual a economia, o ambiente e o bem-estar social devem andar de mãos dadas."A resposta da comunidade internacional à comissão Brundtland foi, em alguns casos, corajosa e inspiradora", afirma o director-executivo da UNEP, Achim Steiner, num comunicado. "Mas muitas vezes tem sido lenta, a um ritmo e uma escala que não reconhecem nem respondem à magnitude dos desafios que as pessoas e o planeta enfrentam", completa Steiner.Em alguns pontos, o relatório chama a atenção para pontes entre problemas ambientais e tensões de outra ordem. Cita, por exemplo, que as alterações climáticas podem afectar zonas semi-áridas em África, reduzindo a extensão do período arável. E isto pode levar a conflitos. Alguns analistas consideram que a actual crise no Darfur, Sudão, está intimamente relacionada com mudanças no clima ao longo das últimas décadas.Migrações ambientaisO relatório também foi encontrar um exemplo de migrações ambientais no fluxo de africanos que têm procurado entrar ilegamente na Europa, nos últimos anos, muitas vezes com resultados trágicos. "A exploração das pescas na África ocidental por frotas russas, asiáticas e europeias aumentou seis vezes entre 1960 e 1990", diz o relatório. "Devido a esta sobre-exploração (...) muitos pescadores artesanais da costa africana ocidental estão agora a migrar para algumas das regiões que estão a explorar os seus recursos".Sem praticamente trazer dados inéditos, o relatório diz que o seu objectivo não é apresentar um cenário aterrador, mas servir como "um apelo urgente à acção". Não era muito diferente a conclusão do Relatório Brundtland, há vinte anos.

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