“Na fase actual da história das ciências cognitivas e da neurociência, e, apesar de diversas e importantes contribuições, encaro a possibilidade de soluções definitivas para o problema da consciência com um certo cepticismo.”
António R. Damásio, O Sentimento de Si
1. Propriedades Mentais e análise científica
"Há quatro características dos fenómenos mentais que os impossibilitou de se inserirem na nossa concepção «científica» do Mundo enquanto feito de coisas materiais. E são estas quatro características que tornaram realmente difícil o problema Mente‑Corpo: são tão embaraçosas que levaram muitos pensadores, na Filosofia, na Psicologia e na Inteligência Artificial, a dizer coisas estranhas e implausíveis acerca da Mente.
[1] A mais importante destas características é a consciência. E, no momento em que estou a escrever isto, e vocês, no momento de a lerem, somos ambos conscientes. É um facto evidente que o Mundo contém tais estados e eventos mentais conscientes, mas é difícil ver como é que meros sistemas físicos podem ter consciência. [...]
Penso que a existência da consciência deveria ser espantosa para nós. É bastante fácil imaginar o Universo sem ela, mas se o fizermos, veremos que imaginámos um universo verdadeiramente sem sentido. A consciência é o facto central da existência especificamente humana, porque sem ela todos os outros aspectos especificamente humanos da nossa existência - linguagem, amor, humor e assim por diante - seriam impossíveis. A propósito, penso que é algo escandaloso que as discussões contemporâneas na Filosofia e na Psicologia tenham tão pouca coisa de interessante a dizer‑nos sobre a consciência.
[2] A segunda característica intratável da Mente é o que os filósofos e psicólogos chamam de «intencionalidade», a característica pela qual os nossos estados mentais se dirigem a, ou são acerca de, ou se referem a, ou são de objectos e estados de coisas diferentes deles mesmos. A propósito, «intencionalidade» não se refere apenas a intenções, mas também a crenças, desejos, esperanças, temores, amor, ódio, prazer, desgosto, vergonha, orgulho, irritação, divertimento, e todos aqueles estados mentais (quer conscientes ou inconscientes) que se referem a, ou são acerca do Mundo, diverso da mente. Ora a questão acerca da «intencionalidade» tem muita semelhança com a questão acerca da consciência. Como é que esta substância dentro da minha cabeça pode ser acerca de alguma coisa? Como é que ela se pode referir a algo? Ao fim e ao cabo, esta substância no crânio consiste em «átomos no vazio», tal como o resto da realidade material consta de átomos no vazio. Ora, como é que, em termos grosseiros, podem átomos no vazio representar alguma coisa?
[3] A terceira característica da Mente que parece difícil de inserir dentro de uma concepção científica da realidade é a subjectividade dos estados mentais. Esta subjectividade é assinalada por um facto como este: posso sentir as minhas dores e vocês não. Eu vejo o Mundo do meu ponto de vista; vocês vêem‑no a partir do vosso ponto de vista. Eu sou consciente de mim mesmo e dos meus estados mentais internos, enquanto inteiramente distintos da individualidade e dos estados mentais das outras pessoas. Desde o século XVII, pensámos a realidade como algo que deve ser igualmente acessível a todos os observadores competentes – isto é, que pensam que ela deve ser objectiva. Ora, como é que vamos acomodar a realidade dos fenómenos mentais subjectivos à concepção científica da realidade enquanto totalmente objectiva?
[4] Finalmente, há um quarto problema, o problema da causalidade [causation] mental. Todos nós supomos, como parte do senso comum, que os nossos pensamentos e sentimentos são realmente importantes para a maneira como nos comportamos, que efectivamente têm algum efeito causal sobre o mundo físico. Decido, por exemplo, levantar o meu braço e - vejam - o meu braço levanta‑se. Mas se os nossos pensamentos e sentimentos são verdadeiramente mentais, como podem eles afectar algo de físico? Como pode algo que é mental originar uma diferença física? Pensamos, supostamente, que os nossos pensamentos e sentimentos podem de algum modo produzir efeitos químicos nos nossos cérebros e no resto do nosso sistema nervoso? Como pode uma tal coisa ocorrer? Pensamos, supostamente, que os pensamentos podem embrulhar‑se a si mesmo nos axónios ou sacudir as dendrites ou esgueirar‑se para dentro da membrana celular e atacar o núcleo da célula?" (John Searle, Mente, Cérebro e Ciência, trad.port., Edições 70, 1987, pp.20‑22 [Minds, Brains and Science, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1984, pp.15‑17]).
2. Teorias sobre a relação entre a mente e o corpo
“Todas as pessoas sabem que aquilo que acontece na consciência depende daquilo que acontece ao corpo. Se entalares um dedo, dói‑te. Se fechares os olhos, não vês o que se passa à tua frente. Se trincares um Crunch [Hershey], sabe‑te a chocolate. Se te baterem na cabeça, desmaias.
Os dados mostram que para qualquer coisa acontecer na tua mente, ou consciência, algo tem de acontecer no teu cérebro. (Não sentirias qualquer dor quando entalasses um dedo se os nervos da tua perna e da tua coluna não levassem os impulsos do dedo ao cérebro.) Não sabemos o que acontece ao cérebro quando pensas: «Será que tenho tempo para ir cortar o cabelo hoje à tarde?» Mas temos a certeza de que alguma coisa acontece – algo que envolve transformações químicas e eléctricas nos milhares de milhões de células nervosas de que o teu cérebro é feito.
Em alguns casos sabemos como o cérebro afecta a mente e como esta afecta o cérebro. Sabemos, por exemplo, que o estímulo de certas células cerebrais perto da parte de trás da cabeça produz experiências visuais. E sabemos que, quando decides servir‑te de mais uma fatia de bolo, outras células cerebrais enviam impulsos para os músculos do teu braço. Não sabemos muitos pormenores, mas é claro que existem relações complexas entre aquilo que acontece na tua mente e os processos físicos que ocorrem no teu cérebro. Até aqui tudo isto pertence à ciência e não à filosofia.
Mas há também uma questão filosófica acerca da relação entre a mente e o cérebro, que é a seguinte: a tua mente é algo diferente do teu cérebro, ainda que ligada a ele, ou é o teu cérebro? Serão os teus pensamentos, sentimentos, percepções, sensações e desejos algo que acontece para além de todos os processos físicos no teu cérebro ou serão eles próprios alguns desses processos físicos?
O que acontece, por exemplo, quando comes um chocolate? O chocolate derrete‑se na tua língua e causa transformações químicas nas tuas papilas gustativas; estas enviam determinados impulsos eléctricos pelos nervos que vão da tua língua ao teu cérebro; quando estes impulsos alcançam o cérebro, produzem mais transformações físicas; finalmente, saboreias o sabor do chocolate. O que é isso? Poderá ser apenas um acontecimento físico em algumas das tuas células cerebrais ou terá de ser algo de um tipo completamente diferente?
Se um cientista tirasse a parte superior do teu crânio e olhasse para o teu cérebro enquanto estivesses a comer o chocolate, só veria uma massa cinzenta de neurónios. Se usasse instrumentos para medir o que estava a passar-se dentro do teu cérebro, detectaria processos físicos complexos de tipos diferentes. Mas poderia encontrar o sabor do chocolate?
Parece que não poderia encontrá-lo no teu cérebro, porque a tua experiência de saborear um chocolate está encerrada no interior da tua mente de um modo que a torna inobservável para qualquer outra pessoa – mesmo que essa pessoa abra o teu crânio e olhe para o interior do teu cérebro. As tuas experiências estão dentro da tua mente com um tipo de interioridade que é diferente da maneira como o teu cérebro está dentro da tua cabeça. Qualquer pessoa pode abrir a tua cabeça e ver o que tens lá dentro, mas ninguém pode abrir a tua mente e olhar para o seu interior – pelo menos não da mesma maneira.
Não é apenas por o sabor a chocolate ser um gosto e, portanto, não poder ser visto. Supõe que um cientista era suficientemente louco para tentar observar a tua experiência de saborear um chocolate lambendo o teu cérebro enquanto comesses um chocolate. Em primeiro lugar, o teu cérebro não lhe saberia, provavelmente, a chocolate. Mas, mesmo que soubesse, não teria conseguido entrar na tua mente e observar a tua experiência de saborear chocolate. Apenas teria descoberto, o que seria bastante estranho, que, quando saboreias chocolate, o teu cérebro se altera de modo a saber a chocolate a outras pessoas. Ele teria tido a sua experiência de saborear chocolate e tu terias tido a tua.
Se o que acontece na tua experiência está dentro da tua mente de uma maneira diferente do que acontece no teu cérebro, parece que as tuas experiências, bem como outros estados mentais, não podem ser apenas estados físicos do teu cérebro. Tens de ser mais do que um corpo com um sistema nervoso activo.
Uma conclusão possível é a de que tem de haver uma alma ligada ao teu corpo de um modo que permita a ambos interagir. Se isso for verdade, então és feito de duas coisas muito diferentes: um organismo físico complexo e uma alma que é puramente mental. (Esta perspectiva, por razões evidentes, chama-se dualismo.)
Mas muitas pessoas pensam que acreditar numa alma é algo antiquado e pouco científico. Tudo o mais no mundo é feito de matéria física - combinações diferentes dos mesmos elementos químicos. Por que não havemos de ser assim também? Os nossos corpos formam-se a partir de uma única célula, produzida na concepção pela união de um espermatozóide com um óvulo, por meio de processos físicos complexos. A matéria mais trivial é adicionada gradualmente, de tal modo que a célula se transforma num bebé com braços, pernas, olhos, orelhas e um cérebro, capaz de se mover, sentir e ver e, finalmente, de falar e pensar. Algumas pessoas acreditam que este sistema físico complexo é capaz de desencadear vida mental por si mesmo. Por que não o seria? De qualquer modo, como pode um argumento filosófico mostrar que não é assim? A filosofia não pode dizer‑nos de que são feitas as estrelas e os diamantes; por isso, como pode dizer-nos de que são feitas ou não as pessoas?
A perspectiva de que as pessoas não são constituídas senão por matéria física e que os seus estados mentais são estados físicos dos seus cérebros chama-se fisicalismo (ou, por vezes, materialismo). Os fisicalistas não têm uma teoria específica sobre qual o processo que no cérebro pode ser identificado com a experiência de saborear chocolate, por exemplo, mas crêem que os estados mentais são apenas estados cerebrais e que não existe qualquer razão filosófica para pensar que não podem sê-lo. Os pormenores terão de ser descobertos pela ciência.
A ideia consiste em que podemos descobrir que as experiências são realmente processos cerebrais, tal como descobrimos que outras coisas familiares têm uma verdadeira natureza que não podíamos ter adivinhado até ser revelada pela investigação científica. Por exemplo, acontece que os diamantes são na realidade compostos por carbono, o mesmo material do carvão: os átomos estão apenas dispostos de uma maneira diferente. E a água, como todos sabemos, é composta por oxigénio e hidrogénio, apesar de esses dois elementos não se parecerem nada com a água quando tomados individualmente.
Portanto, apesar de poder parecer surpreendente que a experiência de saborear chocolate não seja senão um acontecimento físico complexo no teu cérebro, isso não seria mais estranho do que muitas coisas que foram descobertas sobre a verdadeira natureza dos objectos e processos mais comuns. Os cientistas descobriram o que é a luz, como crescem as plantas, como se movem os músculos – é só uma questão de tempo até descobrirem a natureza biológica da mente. É assim que pensam os fisicalistas.
Um dualista responderia que essas outras coisas são diferentes. Quando descobrimos a composição química da água, por exemplo, estamos a lidar com algo que está claramente lá fora, no mundo físico – algo que todos podemos ver e tocar. Quando descobrimos que a água é constituída por átomos de hidrogénio e de oxigénio, estamos apenas a dividir uma substância física externa em partes físicas mais pequenas. Uma característica essencial deste tipo de análise é o facto de não estarmos a dar a composição química do modo como vemos, sentimos e saboreamos a água. Essas coisas acontecem na nossa experiência interna, e não na água que dividimos em átomos. A análise física ou química da água deixa-as de lado.
Mas para descobrirmos que saborear chocolate é realmente apenas um processo cerebral teríamos de analisar algo mental – não uma substância física observada externamente, mas uma sensação interna de sabor – em termos de partes físicas. E não há qualquer maneira de um grande número de acontecimentos físicos no cérebro, por mais complexos que sejam, poderem ser as partes a partir das quais se compõe uma sensação de gosto. Um todo físico pode ser analisado em partes físicas mais pequenas, mas um processo mental não. Não é possível somar partes físicas para fazer um todo mental.
Existe outra teoria possível, que é diferente, quer do fisicalismo, quer do dualismo. O dualismo é a perspectiva segundo a qual és composto por um corpo e por uma alma e a tua vida mental se desenrola na tua alma. O fisicalismo é a perspectiva segundo a qual a tua vida mental consiste em processos físicos no teu cérebro. Contudo, outra possibilidade é a de a tua vida mental se desenrolar no teu cérebro, mas todas essas experiências, sentimentos, pensamentos e desejos não serem processos físicos no teu cérebro, o que equivaleria a dizer que a massa cinzenta de milhares de milhões de células nervosas no teu crânio não é apenas um objecto físico. Tem muitas propriedades físicas – desenrolam-se nele grandes quantidades de actividade química e eléctrica –, mas também tem processos mentais.
A perspectiva de que o cérebro é o lugar da consciência, mas que os seus estados conscientes não são apenas estados cerebrais, é designada por teoria do aspecto dual. Chama-se assim porque significa que quando comes um chocolate se produz um estado ou um processo no teu cérebro com dois aspectos: um aspecto físico, que envolve diversas transformações químicas e eléctricas, e um aspecto mental – a experiência do sabor do chocolate. Quando este processo ocorre, um cientista que olhe para o teu cérebro será capaz de observar o aspecto físico, mas tu próprio passarás, interiormente, pelo aspecto mental: terás a sensação de saborear chocolate. Se isto for verdade, o teu próprio cérebro terá um interior que não poderá ser alcançado por um observador exterior, mesmo que o abra. Ao comeres um chocolate, existiria um aspecto mental do processo cerebral que seria a tua própria sensação.
Poderíamos exprimir esta perspectiva dizendo que não és um corpo e uma alma - que és apenas um corpo, mas que o teu corpo, ou pelo menos o teu cérebro não é apenas um sistema físico. É um objecto com aspectos tanto físicos como mentais: pode ser dissecado, mas tem também um tipo de interior que não pode ser exposto pela dissecação. [...].
Os fisicalistas acreditam que nada existe a não ser o mundo físico que pode ser estudado pela ciência: o mundo da realidade objectiva. Mas então têm também de encontrar de algum modo espaço para os sentimentos, os desejos, os pensamentos e as experiências – isto é, para ti e para mim – num tal mundo.
Uma teoria avançada a favor do fisicalismo é a de que a natureza mental dos teus estados mentais consiste nas suas relações com coisas que os causam e coisas por eles causadas. Por exemplo, quando entalas um dedo e sentes dor, a dor é algo que ocorre no teu cérebro, mas essa dor não é apenas a soma das suas características físicas, como também não é uma misteriosa propriedade não física. Em vez disso, o que a faz ser uma dor é ser o tipo de estado do teu cérebro que é normalmente causado por acidentes e que te leva geralmente a gritar, a saltar e a evitar a coisa que te causou a dor. E isso podia ser um estado puramente físico do teu cérebro.
Mas não parece ser suficiente para transformar algo numa dor. E verdade que as dores são causadas por acidentes que te magoam e te fazem de facto gritar e saltar. Mas as dores também são sentidas de uma certa maneira, o que parece ser algo diferente de todas as suas relações com causas e efeitos, bem como de todas as propriedades físicas que possam ter – se é que as dores são de facto acontecimentos no teu cérebro. Por mim, creio que este aspecto interno da dor e de outras experiências conscientes não pode ser correctamente analisado em termos de qualquer sistema de relações causais com estímulos e comportamentos físicos, por muito complicados que sejam.
Parece haver dois tipos muito distintos de coisas que acontecem no mundo: as coisas que pertencem à realidade física, que muitas pessoas diferentes podem observar a partir do exterior, e aquelas que pertencem à realidade mental, que cada um de nós sente a partir do interior, no seu próprio caso. Isto é verdade não apenas para os seres humanos: os cães, os gatos, os cavalos e as aves parecem ser conscientes, tal como os peixes, as formigas e os escaravelhos, provavelmente, também o são. Quem sabe onde isto acaba?
Não teremos uma concepção geral adequada do mundo enquanto não explicarmos como, quando muitos elementos físicos se juntam da forma correcta, formam não apenas um organismo biológico que funciona, mas também um ser consciente. Se a própria consciência pudesse ser identificada com algum tipo de estado físico, teríamos o caminho aberto para uma teoria física unificada da mente e do corpo, portanto talvez para uma teoria física unificada do universo. Mas as razões contra uma teoria puramente física da consciência são suficientemente fortes para tornarem plausível que uma teoria física de toda a realidade seja impossível. A ciência física progrediu deixando a mente fora do que tenta explicar, mas o mundo pode ser mais do que aquilo que pode ser compreendido pela ciência física.” (Thomas Nagel, Que quer dizer isto tudo?, Lisboa, Gradiva, 1995, pp.29‑37 [What does it all mean? New York/Oxford, Oxford Univ.Press, 1987, pp.27‑37).
3. O problema da consciência
"É a consciência que torna o problema mente‑corpo intratável. [...] A experiência consciente é um fenómeno generalizado. Ocorre em muitos níveis da vida animal, embora não possamos estar certos da sua presença em simples organismos e se torne muito difícil dizer, em geral, o que confere evidência dela. [...] Sem dúvida alguma [experiência consciente] ocorre em inúmeras formas totalmente inimagináveis para nós, noutros planetas de outros sistemas solares através do universo. Mas independentemente do modo como possa variar, o facto de que um organismo tem realmente [at all] consciência, significa basicamente que há algo que é ser esse organismo. [...] Podemos designar isso como o carácter subjectivo da experiência. Esta [experiência] não é apreendida por nenhumas das familiares [...] análises redutoras do mental, pois todas elas são logicamente compatíveis com a sua ausência. Não é analisável em termos de um sistema explicativo de estados funcionais, ou estados intencionais, visto que estes poderiam ser propriedades de robots e autómatos que se comportassem como pessoas embora não experimentassem nada. [...] Não nego que os estados mentais conscientes e acontecimentos causem comportamentos, nem nego que não se possam dar caracterizações funcionais. Apenas nego que este tipo de análise seja exaustiva. [...] Se a análise deixa alguma coisa de fora, o problema está mal colocado. [...] Para exemplificar a conexão entre a subjectividade e um ponto de vista, e para sublinhar a importância dos aspectos subjectivos, ajudará explorar o assunto tendo em conta um exemplo que mostre claramente a divergência entre dois tipos de concepção, subjectiva e objectiva.
Assumo que todos nós acreditamos que os morcegos têm experiências. Afinal de contas, são mamíferos, e não existe qualquer dúvida que têm experiência do mesmo modo que os ratos, os pombos ou as baleias têm experiência. [...] A essência da crença de que os morcegos têm experiências é que há algo que é ser como um morcego. [...] Os seus cérebros estão feitos de modo a relacionar os impulsos propulsionados com os ecos subsequentes e a informação recebida permite aos morcegos uma discriminação precisa de distância, tamanho, forma, movimento e de textura comparável àqueles que temos através da visão. Mas o sonar de um morcego, embora claramente uma forma de percepção, não é de forma alguma similar na sua operação a nenhum dos sentidos que possuímos e não há razão para supor que é algo que subjectivamente nós possamos experienciar ou imaginar. [...] Quero saber o que é para um morcego ser um morcego. [...] O que permanece de se ser um morcego se se remover o ponto de vista do morcego? Mas se a experiência não tem [...] uma natureza objectiva que possa ser apreendida por muitos pontos de vista, então como poderemos supor que um marciano investigando o meu cérebro pudesse pela observação dos processos físicos apreender os meus estados mentais [...]?" (Thomas Nagel, Mortal Questions, Cambridge Univ.Press, 1979, pp.165‑174).
4. Dualismo semântico ou de propriedades
“Eu próprio não posso evitar tomar posição em relação ao problema legado pela tradição filosófica mais antiga, de Platão a Descartes, de Espinosa, de Leibniz a Bergson, o da união da alma e do corpo. Este antagonismo situa-se ao nível das entidades últimas, irredutíveis, primitivas (ou como se queira) constitutivas do que os filósofos analíticos gostam de chamar o mobiliário do mundo. Este nível é o da ontologia fundamental. Nos tempos de Descartes e dos cartesianos – Malebranche, Espinosa, Leibniz –, ainda se acreditava ser possível apreender a realidade última em termos de substância, ou seja, de algo que existe em si e por si. E perguntava‑se se o homem seria feito de uma ou de duas substâncias, segundo a ideia que se tinha de substância. Destas grandes querelas, alimentadas por um aparelho argumentativo considerável, subsistem apenas, nos nossos dias, formas bastardas e esqueléticas, denominadas, por exemplo, paralelismo psicossomático, interaccionismo, reducionismo, etc. É à custa de uma simplificação abusiva que dualismo espiritualista e monismo materialista acabam por se opor maciçamente.
Não é no plano desta ontologia, cujas bases foram abaladas por Kant, na Dialéctica Transcendental da primeira Crítica, que me situarei. Limitar‑me-ei, modesta mas firmemente, ao plano de uma semântica dos discursos feitos, por um lado, sobre o corpo e o cérebro, e, por outro lado, sobre o que o que, para ser breve, chamarei de mental (…).
A minha tese inicial é que os discursos defendidos por cada um dos lados decorrem de duas perspectivas heterogéneas, isto é, não redutíveis uma à outra e não deriváveis uma da outra. Num discurso, trata‑se de neurónios, de conexões neuronais, de sistema neuronal, no outro fala‑se de conhecimento, de acção, de sentimento, isto é, de actos ou de estados caracterizados por intenções, motivações, valores. Combaterei, pois, aquilo a que doravante chamarei uma amálgama semântica e que vejo resumida na fórmula, digna de um oximoro: “O cérebro pensa”. (…)
É de um dualismo semântico, exprimindo uma dualidade de perspectivas, que parto. O que conduz (ao erro) do deslizar de um dualismo dos discursos para um dualismo de substâncias, é que cada domínio de estudo tende a definir‑se em relação ao que podemos chamar um referente último, isto é, uma coisa à qual nos referimos em última análise neste domínio. Mas este referente só é último neste domínio e define‑se ao mesmo tempo que ele. Devemos, pois, evitar transformar um dualismo de referentes num dualismo de substâncias. A interdição desta extrapolação do semântico para o ontológico tem por consequência que, no plano fenomenológico em que me situo, o termo mental não se confunda com o termo imaterial, isto é, não corporal. Muito pelo contrário. O mental vivido implica o corporal, mas num sentido da palavra corpo irredutível ao corpo objectivo tal como é conhecido das ciências da natureza. Ao corpo‑objecto opõe‑se semanticamente o corpo vivido, o corpo próprio, o meu corpo (do qual falo), o teu corpo (a ti, a quem me dirijo), o seu corpo (dele, dela, cuja história conto). Assim, o corpo figura duas vezes no discurso, como corpo‑objecto e como corpo‑sujeito, ou melhor, corpo próprio. Prefiro a expressão corpo próprio a corpo‑sujeito, pois o corpo é também dos outros e não só o meu. Portanto: corpo como parte do mundo e corpo do qual eu (tu, ele, ela) apreendo o mundo para me orientar e nele viver. (…) A minha hipótese de partida é, pois (…) que não vejo nenhuma passagem de uma ordem de discurso para outro: ou falo de neurónios, etc., e estou numa certa linguagem, ou falo de pensamentos, de acções, de sentimentos e alio‑os ao meu corpo, com o qual mantenho uma relação de possessão, de pertença. Assim posso dizer que as minhas mãos, os meus pés, etc., são os meus órgãos no sentido em que caminho com os meus pés, apreendo com as minhas mãos; mas tudo isto decorre da vivência e não posso deixar‑me encerrar numa ontologia da alma, por assim dizer. Pelo contrário, quando me dizem que tenho um cérebro, nenhuma experiência viva, nenhuma vivência correspondem ao que me dizem, apreendo‑o nos livros (…).
[Defendo assim] um dualismo semântico. No fundo, se tivesse de procurar um antepassado, este seria Espinosa (…). Para ele, a unidade de substância deve ser procurada muito mais acima, ao nível do que ele chama, no livro I da Ética, Deus sive natura. Ou falo a linguagem do corpo, modo finito, que era para ele o do espaço ou falo a linguagem do pensamento, modo finito distinto, a que ele continuava a chamar alma. Pois bem, falo as duas linguagens, sem as poder misturar. Daí a minha pergunta: será que o conhecimento que possuo do cérebro aumenta o conhecimento que tenho de mim mesmo sem conhecer o que quer que seja do meu cérebro e simplesmente pela prática do corpo? “ (Ricoeur in Ricoeur/Changeaux, O que nos faz pensar?, trad.port., Lisboa, Edições 70, pp.21‑23; 27 [Ce qui nous fait penser. La Nature et la Règle, Paris, Odiloe Jacob, 1998, pp.24‑26;30‑31]).
5. O corpo e a consciência
"O problema do corpo e das suas relações com a consciência é frequentemente obscurecido pelo facto de se estabelecer antes de mais o corpo como uma certa coisa dotada das suas leis próprias e susceptível de ser definida a partir de fora, ao passo que se atinge a consciência pelo tipo de intuição íntima que lhe é próprio. Se, de facto, depois de ter apreendido a «minha» consciência na sua interioridade absoluta, e por uma série de actos reflexivos, eu procurar uni‑la a um certo objecto vivo, constituído por um sistema nervoso, um cérebro, glândulas, órgãos digestivos, respiratórios e circulatórios, cuja própria matéria é susceptível de ser analisada quimicamente em átomos de hidrogénio, de carbono, de azoto, de fósforo, etc., irei encontrar dificuldades insuperáveis: mas tais dificuldades provêm de eu tentar unir a minha consciência, não ao meu corpo, mas ao corpo dos outros. Com efeito, o corpo cuja descrição acabo de esboçar não é o meu corpo tal como ele é para mim. Nunca vi nem verei o meu cérebro nem as minhas glândulas endócrinas. Mas simplesmente, por ter visto dissecar cadáveres de homens, eu que sou um homem, e por ter lido tratados de fisiologia, concluo que o meu corpo é exactamente constituído como todos aqueles que me foram mostrados numa mesa de dissecação ou cuja representação a cores contemplei em livros. Dir‑me‑ão, sem dúvida, que os médicos que me trataram, os cirurgiões que me operaram, puderam fazer a experiência directa deste corpo que eu não conheço por mim mesmo. Não discordo nem sustento que sou desprovido de cérebro, de coração ou de estômago. Mas importa, antes de tudo, escolher a ordem dos nossos conhecimentos: partir das experiências que os médicos puderam fazer sobre o meu corpo é partir do meu corpo no meio do mundo e tal como ele é para outrem. O meu corpo, tal como ele é para mim, não me aparece no meio do mundo. Decerto que pude ver eu próprio num ecrã, durante uma radioscopia, a imagem das minhas vértebras, mas estava precisamente fora, no meio do mundo; apreendia um objecto inteiramente constituído como um isto no meio de outros istos, e somente por um raciocínio é que o levava a ser meu: ele era muito mais a minha propriedade do que o meu ser.
É verdade que vejo, que toco nas minhas pernas e nas minhas mãos. E nada me impede de conceber um dispositivo sensível de tal ordem que um ser vivo possa ver um dos seus olhos enquanto o olho visto dirige o olhar para o mundo. Mas convém notar que, também neste caso, sou o outro relativamente ao meu olho: apreendo‑o como órgão sensível constituído no mundo de uma certa maneira, mas não posso «vê‑lo a ver», ou seja, apreendê‑lo enquanto ele me revela um aspecto do mundo. Ou ele é coisa entre as coisas, ou então é aquilo por que [ce par quoi] as coisas se descobrem em mim. Mas não pode ser tudo ao mesmo tempo. De igual modo, vejo a minha mão tocar nos objectos, mas não a conheço no seu acto de lhes tocar."
(Sartre, O Ser e o Nada. Ensaio de ontologia fenomenológica, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, pp.312‑313 [Paris, Gallimard, 1943, pp.350‑351]).
6. Espectro cromático invertido
A. "Maria é uma cientista brilhante que — qualquer que tenha sido a razão — se vê forçada a investigar o mundo a partir de um quarto a preto e branco através de um monitor de televisão igualmente a preto e branco. Ela especializou‑se em neurofisiologia da visão e adquiriu — vamos supor — toda a informação física que há para obter sobre o que acontece quando vemos tomates maduros ou o céu, e usa termos como vermelho, azul, entre outros. Ela descobre, por exemplo, quais são os comprimentos de onda de luz do céu que estimulam a retina e exactamente como é que se processa, através do sistema nervoso central, a contracção das cordas vocais e a expulsão do ar dos pulmões que resulta quando se enuncia a frase "O céu é azul." […] O que sucederá quando a Maria for liberta do seu quarto a preto e branco ou lhe for oferecido um monitor de televisão a cores? Aprenderá alguma coisa ou não? Parece evidente que aprenderá algo do mundo e da nossa experiência visual dele. Mas então é óbvio que o seu conhecimento prévio era incompleto. Mas ela tinha toda a informação física. Logo há algo mais do que informação física e o Fisicalismo é falso" (Frank Jackson, "Epiphenomenal Qualia", Philosophical Quarterly 32 pp.128; retomado em Mind and Cognition. A Reader (ed. Lycon) Oxford, Blackwell)).
B. "E assim um dia os raptores de Maria decidiram que já era tempo de ela ver as cores. Por brincadeira, preparam uma resplandecente banana azul para lhe oferecerem na sua primeira experiência a cores. Maria olhou‑a e disse: "Estão a tentar‑me enganar! As bananas são amarelas mas esta é azul!". Os seus raptores estavam estupefactos. Como é que ela sabia isso? "É simples", respondeu ela. "Têm que se lembrar que eu sei tudo — absolutamente tudo — que há para saber sobre as causas e efeitos físicos da visão a cores. Então antes de me trazerem a banana eu já tinha escrito, em grande pormenor, qual a impressão física exacta que um objecto amarelo ou azul (ou verde, etc.) provocaria no meu sistema nervoso. […] Não fiquei de forma alguma surpreendida com a minha experiência de azul (o que me surpreendeu foi tentarem este truque idiota comigo). […] É difícil para alguém imaginar as consequências de alguém saber fisicamente tudo acerca do quer que seja." (Daniel C. Dennett, Consciousness Explained, Boston et al., Little, Brown & Company, 1991, pp.399‑400).
C. "[Imaginemos] um tipo que deambula vendo coisas tal que o azul lhe parecia vermelho e o vermelho lhe parecia azul [...]. A nossa primeira reacção ao ouvirmos tal caso podia consistir em dizermos, «Pobre tipo, que pouca sorte». Mas como o saberíamos alguma vez? Quando ele vê algo azul, parece‑lhe vermelho, mas ele foi ensinado a chamar a essa cor azul desde criança, de tal modo que se alguém lhe perguntasse de que cor é o objecto ele diria «azul». Assim, ninguém o saberia nunca. [...] Provavelmente a maioria das pessoas sustenta uma destas duas concepções: a concepção de que os estados sensoriais estão correlatos com os estados cerebrais, ou a concepção de que os estados cerebrais são idênticos aos estados cerebrais. [...] A correlação não é (muito) discutida porque toda a gente sabe que há pelo menos uma correlação. A identidade é discutida porque isso é o que é problemático. [...] [Mas] mesmo a correlação é problemática, não no sentido de que exista a evidência de não‑correlação, mas no sentido [...] de que se existe uma correlação, nunca se pode saber qual é." (Hilary Putnam, Razão, Verdade e História, Dom Quixote, p.112‑113 [Reason, Truth, and History, Cambridge University Press, 1981, 80-82)." [Cf. Locke, An Essay II, XXXII, 14]
7. A identidade pessoal e o dualismo interaccionista
“Considero que há duas proposições básicas para qualquer tentativa de nos compreendermos a nós próprios e de compreendermos a nossa relação com o mundo incluindo outros eus. Essas proposições podem classificar‑se como certezas primordiais.
Em primeiro lugar, a certeza de que existimos como um ser autoconsciente [self‑consciousness] único. Em segundo lugar, a certeza de que o mundo material existe, incluindo o nosso corpo e o nosso cérebro.
A filosofia contemporânea negligencia problemas relacionados com a unicidade vivida por cada si [self]. [...] Centrarei a minha atenção no acontecimento mais extraordinário no mundo da nossa vivência, nomeadamente a emergência de cada um de nós como um ser autoconsciente único. [...] Não há dúvida de que cada pessoa humana reconhece a sua própria singularidade e isto é aceite como a base da vida social e da lei. Ao examinarmos os motivos desta convicção, a neurociência moderna elimina uma explicação em termos do corpo. Restam duas alternativas possíveis – o cérebro e a psique [Psyche]. Os materialistas devem subscrever a primeira, mas os dualistas interaccionistas têm de encarar o Si [Self] como a entidade que tem a vivência da unicidade. [...] Se a unicidade vivenciada de cada um derivar directamente da singularidade do seu cérebro, temos de examinar os níveis de singularidade de cérebros humanos. Não podia ser a singularidade de toda a infinidade de pormenorizadas conexões dos 10000 milhões de células do córtex cerebral humano. Essas conexões estão em modificação constante em termos de plasticidade e de degeneração. A afirmação materialista mais vulgar é que a experiência de unicidade deriva da singularidade genética. ... [Ora], o desenvolvimento fenotípico do cérebro está bastante distanciado das instruções genotípicas [...] Por exemplo, o genótipo está implicado na construção do cérebro, mas actua num meio que modela profundamente o seu processo de construção do fenótipo. No caso de gémeos verdadeiros, os genomas idênticos contribuíram para a construção de cérebros diferentes devido à diversidade do ruído de desenvolvimento. [...] Deste modo, há um imenso abismo de desenvolvimento entre as instruções genéticas fornecidas pelo zigoto e o cérebro do bebé recém‑nascido. Compreender‑se‑á que o ruído de desenvolvimento torna caótica e incoerente qualquer tentativa para derivar a nossa experiência de unicidade da nossa singularidade genética. [...].
Uma resposta frequente e superficialmente plausível para este enigma é a asserção de que o factor determinante é a singularidade das experiências acumuladas de um Si ao longo da sua existência. É fácil concordar que o nosso comportamento e as nossas memórias e, de facto, todo o conteúdo da nossa vida consciente interior dependem das experiências acumuladas das nossas vidas; mas, por extrema que seja a modificação, num determinado momento decisivo, que pode ser produzido pela exigência das circunstâncias, seríamos ainda o mesmo Si capaz de retraçar a nossa continuidade na memória até às primeiras recordações por volta de um ano de idade, o mesmo Si com um aspecto completamente diferente. Não poderia haver eliminação de um Si e criação de um novo Si!” (John Eccles, A Evolução do Cérebro. A Criação do Eu, trad.port., Lisboa, Instituto Piaget, 1995, pp.360‑363 (Evolution of the Brain: creation of the Self, London/New York, Rourledge, 1989, pp.236‑237).
8. Actividade e Neuroplasticidade
“Há vinte e cinco anos, o dogma neurocientífico era que o cérebro continha todos os seus neurónios à nascença e que o número deles não era afectado pela experiência. Pensava‑se que mudanças de maior passariam sem marcas pelas incrivelmente complexas funções cerebrais gradualmente desenvolvidas nos primeiros tempos de vida. As únicas mudanças que podiam ocorrer durante a vida eram alterações menores nas conexões sinápticas entre os neurónios e a morte das células devido ao envelhecimento. Hoje me dias, as coisas mudaram consideravelmente, e os neurocientistas falam cada vez mais de neuroplasticidade – o conceito de que o cérebro está em contínua evolução, respondendo à experiência, seja através de novas conexões neurais, do reforço das conexões existentes ou da criação de novos neurónios.
O treino musical, que requer longos anos de prática de um instrumento, dá‑nos o exemplo típico de neuroplasticidade. As imagens de ressonâncias magnéticas revelam que as regiões do cérebro que controlam a mão dedilhante de uma violinista se desenvolvem longamente ao longo dos anos de treino. Músicos que começam o treino musical muito cedo e prossigam ao longo de vários anos revelam a maior incidência de alterações cerebrais. Estudos sobre jogadores de xadrez e atletas olímpicos mostraram profundas alterações nas capacidades cognitivas implicadas nas suas proezas. A questão a ser posta agora é: “ Será que um enriquecimento interior voluntário, tal como a prática de meditação a longo prazo, (…) induz alterações relevantes e duradouras na mecânica cerebral?». Foi precisamente isto o que Richard Davidson e a sua equipe resolveram estudar no W.M. Keck Laboratory for Functional Brain Imaging and Behaviour da Universidade de Winsconsin‑Madison. (…) «O que descobrimos foi que a mente treinada, ou o cérebro, é fisicamente diferente da não treinada” (Matthieu Ricard in O Budismo e a Natureza da Mente, Lisboa, Mundos Paralelos, 2005, pp.50-51; 58).
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
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